Há anos atrás, uma amiga ao me ver tocando violão me perguntou se eu conhecia Francisco Mário, ou Chico Mário, como também era muito conhecido. Respondi um tanto desatento que não, não conhecia! Na verdade sequer ouvira falar dele. Ao ouvir esta resposta que denunciava minha ignorância musical, minha amiga passou a quase todo encontro repetir a pergunta: “Você já ouviu Chico Mário?” Eu continuava dizendo que não, o que a deixava num misto de incrédula e irritada. As coisas continuaram assim até o dia em que ela resolveu acabar com a minha ignorância em torno da obra do Chico. Chegou pra mim com um Lp debaixo do braço e disse: "tome! Você agora vai conhecer o Chico Mário". Cheguei em casa e a primeira coisa que fiz foi botar o Lp pra girar. Aí entendi todo aquele empenho da amiga para que eu o conhecesse. O disco é maravilhoso!
Em seguida passei a procurar outros discos dele e descobri que este que eu tinha ouvido, era o último de sua produção, e tinha sido lançado postumamente, em 1988. Este disco foi concebido e gravado com Chico já consciente de ser portador do vírus HIV. Assim como seus irmãos, Henfil e Betinho, Chico Mário era hemofílico, e contraiu a doença num processo de transfusão de sangue. Foi, sem dúvida, uma das perdas terríveis daquele primeiro momento de expansão da AIDS. Chico era mineiro de Belo Horizonte e ao todo ele gravou sete discos de carreira e mais um com o líder camponês pernambucano Francisco Julião, um dos grandes líderes das famosas ligas camponesas em Pernambuco nas décadas de 1950 e 1960. Essa parceria evidencia uma tendência militante do compositor, que durante toda sua vida esteve ao lado das boas causas do seu tempo: lutou contra a ditadura militar (foi membro da Juventude Estudantil Católica) e atuou como vice-presidente da Associação dos Produtores de Discos Independentes.
Seus discos são heterogêneos no sentido de que se alternam entre discos de canções e discos instrumentais. Mas em ambos os campos Chico deu provas de sua excelência. O seu primeiro disco, “Terra”, um disco de canções, foi bastante elogiado pela crítica, bem como por um conterrâneo seu de muita importância no cenário cultural brasileiro: Carlos Drummond de Andrade. Esse disco conta com a participação de uma turma de craques da música. Lá estão: Joyce, Quarteto em Cy, Antonio Adolfo, Danilo Caymmi, Luli e Lucinda e mais um pessoal de primeira.
Em seguida vieram outros discos dentre os quais eu destacaria o “Conversa de cordas, couros, palhetas e metais” de 1983. É um verdadeiro primor! Timbres maravilhosos, temas lindos e arranjos graciosos. Esse disco recebeu o prêmio de melhor disco instrumental do ano fazendo seu autor ganhar o troféu Chiquinha Gonzaga. Toadas, baiões e choros e outros gêneros marcam presença. O disco demonstra um controle sobre a obra que só a maturidade pode trazer. Chico tinha consciência disso. Logo a seguir veio o LP “Pijama de seda” feito em homenagem ao mestre Pixinguinha. O tema que abre o disco, “Ressurreição” é dedicado ao seu irmão Henfil, e é simplesmente uma melodia inspiradíssima, com intervalos melódicos que tecnicamente diríamos de quinta ascendente que nos dá a sensação de uma ressureição.
No disco “revolta dos palhaços”, o temperamento irrequieto do Chico o levou a fazer uma empreitada inusitada. Ele propôs que duzentas pessoas amigas adquirissem o disco antes mesmo de ser lançado, como numa espécie de cooperativa entre consumidores e produtores. Deu certo! E o disco teve a participação dos poetas Aldir Blanc e Paulo Emílio, do ator Gianfrancesco Guarnieri, dos músicos Mauro Senise, Luiz Cláudio Ramos (atual arranjador e violonista de Chico Buarque), e dos cantores Ivan Lins e Lucinha Lins. A capa era do seu irmão Henfil.
Pois bem, faço com vocês o que minha amiga fez comigo: Vocês conhecem Chico Mário? Não? Então corram a procura dos seus discos (creio que todos estejam disponíveis em cd). Comprar não será fácil, mas graças à internet é possível encontrá-los em sites e blogs do pessoal que pesquisa e garimpa. Comecem bem o ano com a música de um grande brasileiro.
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