
Esperei um momento em que tivesse mais tempo para saciar minha curiosidade, e quando pude voltei à livraria para acertar contas com ela. Fiquei muito surpreso quando ainda na introdução vi que o autor, Pascal Quignard, era um compositor, regente e educador musical. Realmente um espanto! Mas ainda nas primeiras páginas ficou clara a razão que o levou a tal empreitada. Ele estava simplesmente se rebelando contra uma prática que se tornou, se não universal, ao menos muito disseminada. Refiro-me à prática da banalização da música e a ampliação geral do nível sônico nas sociedades contemporâneas.
Pensa-se muito pouco nisso, mas os efeitos do som sobre os corpos humanos e dos demais animais não são desprezíveis. Pesquisas militares do governo dos Estados Unidos feitas desde a década de 1960, já apontavam os efeitos danosos do som em altos decibéis em animais. O compositor canadense Murray Schafer relata em seu livro “O ouvido pensante” algumas dessas ocorrências. Numa, por exemplo, ele descreve a morte de um rato quando colocado em um campo sonoro de altos decibéis. Na autópsia fica demonstrado que ele morreu de superaquecimento instantâneo. Outros testes científicos demonstraram que ocorrem mudanças na circulação sanguínea e no funcionamento do coração quando uma pessoa é exposta a uma determinada intensidade de ruído. Na mesma perspectiva, cientistas do Instituto Max Planck realizaram há tempos atrás pesquisas para saber por que pessoas que trabalham em ambientes muito barulhentos tendem a ter mais problemas emocionais e familiares.

Há uma relação inversamente proporcional entre sociedades pré-industriais de um lado e sociedades industriais, de outro, no que diz respeito aos sons naturais, humanos e de utensílios tecnológicos. Segundo Schafer nas culturas pré-industriais a presença de sons naturais era de 69% dos sons vivenciados, enquanto os sons humanos eram de 26%, e os sons de utensílios e tecnológicos alcançavam apenas 5%. Nas sociedades contemporâneas a proporção é de 68% de sons tecnológicos, 26% de sons humanos e apenas 6% de sons naturais. Isso explica as razões pelas quais o ruído vem sendo incorporado ao discurso musical. Ainda no começo do século XX, em 1913, o compositor Luigi Russolo, escreveu um manifesto no qual defendia a incorporação dos ruídos, presença marcante na vida cotidiana do período industrial, na música desse momento. É “A arte dos Ruídos” o título de seu manifesto futurista.
De todo modo, é preciso estar consciente das marchas e contra-marchas do nosso tempo e perceber de que modo podemos interferir nos rumos da nossa jornada. A ideia de assimilar os ruídos ao discurso musical pode até ser um jeito de esconjurar, em parte, o demônio-ruído, mas faz-se necessário reduzir seus efeitos nocivos e para isso são necessários consciência do problema e educação para transformá-lo. Urge uma gestão social e democrática do som.
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