A música popular do Brasil sempre
foi dadivosa no que diz respeito ao aparecimento de personagens importantes
para sua história. Este campo talvez só seja igualado em sua abundância de
craques, por outro campo também pródigo: o futebol. A década de 1960, por exemplo, fez surgir uma
quantidade espantosa de compositores, músicos e cantores que se tornaram como
que canônicos no campo. Mas antes dessa geração valorosa sessentista, uma outra
foi também, e primeiramente, chamada de “era de ouro da música popular
brasileira”: a década de 1930.Ela ganhou
essa alcunha, digamos assim, por conta de ver florescer uma geração que para
sempre ficou marcada no imaginário musical brasileiro. Surgiram nesse período
compositores tais como Noel Rosa, Assis Valente, Dorival Caymmi (surgido no
final da década) e Wilson Batista associados com intérpretes como Francisco
Alves; Orlando Silva e Mário Reis. Este último considerado como um dos cantores
que influenciaram João Gilberto na criação de um jeito diferente de cantar, que
seria a marca da bossa-nova no final da década de 1950.
Não
foram poucos os sucessos que permaneceram para sempre no repertório do
cancioneiro nacional: carinhoso, de
Pixinguinha; com que roupa, de Noel
Rosa; Camisa listrada e boas festas,
de Assis Valente, esta última vindo a se tornar um verdadeiro hino do natal
brasileiro gravada na ocasião pelo estreante Carlos Galhardo (“anoiteceu / o sino gemeu / e a gente ficou
/ feliz a rezar / Papai Noel...). A lista dos sucessos é grande e
tomaríamos o espaço desse artigo se tentássemos nos referir a todas.
Mas,
como bem gosta de assinalar os historiadores, toda essa movimentação artística
e musical não poderia ter se dado no vazio. Transformações políticas e tecnológicas
estavam ocorrendo e dando combustível para o surgimento e proliferação da
canção popular, e em particular o samba. Em 1922 começam as atividades do rádio
no Brasil, e na década seguinte ele já era um meio de entretenimento e
informação amplamente popular no país. Começa então a consagração de ídolos
nacionais e canções que vão ser conhecidas por todo o Brasil. A rádio nacional,
no fim da década de 1930 foi importante para a construção de um imaginário
nacional, e foi também ela responsável em grande medida pela transformação do
samba como gênero nacional. A ambição de construir uma identidade nacional, que
já era uma ambição das elites brasileiras desde o século XIX, vai ganhar grande
impulso com o projeto identitário brasileiro levado a cabo pelo governo Vargas.
Foi na noite de 10 de novembro de 1937 que Getúlio em sua “proclamação ao povo
brasileiro”, em gesto simbólico, queima as bandeiras regionais por
considerá-las uma ameaça a unidade nacional. Esse ato foi transmitido para todo
país através das ondas do rádio.
Um
pouco depois da criação do rádio no Brasil, outro fator foi de suma importância
para a propagação da canção popular e em particular do samba: o início das
gravações elétricas, em 1926, em substituição ao antigo sistema mecânico. Se no
antigo sistema mecânico se destacava a Casa Edison, como empresa ligada a
gravação dos discos, na nova plataforma tecnológica surgem várias empresas
multinacionais interessadas no novo empreendimento: Odeon, Victor, Columbia e
outras. O mercado de discos torna-se promissor ainda mais pelo processo de
modernização pelo qual passava o país, com a concomitante criação de uma classe
média urbana, a qual seria a primeira a adquirir esses novos produtos, que não
obstante estavam destinados a se popularizar cada vez mais.
Há
também nesse período, segundo alguns pesquisadores como o professor e
musicólogo Carlos Sandroni, uma transformação do samba fazendo com que este se
“livrasse” de suas raízes ligadas ao maxixe e se tornasse o que veio a se
tornar posteriormente. Ele atribui essa transformação a um grupo de sambistas
cariocas do bairro do Estácio, dentre eles Ismael Silva. A professora Walnice
Nogueira Galvão, no prefácio do livro de Sandroni, conta que Donga,
representante da primeira geração de sambistas teria dito que Ismael não
compunha sambas e sim marchas, e em resposta Ismael teria dito que Donga não
fazia samba e sim maxixe. Curioso assinalar que tanto as elaborações da
primeira geração, que se deu predominantemente nas casas das famosas tias
baianas na Praça onze, quanto à da segunda geração, no início da década de 1930
no bairro do Estácio, se deram num espaço geográfico batizado por Heitor dos
Prazeres como “pequena África do Rio de Janeiro”.
Polêmicas
a parte, fato é que a década de 1930 foi um divisor de águas na história dessa
venerável senhora chamada Música Popular Brasileira.
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