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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A CANÇÃO POPULAR BRASILEIRA E A DÉCADA DE 1930

    A música popular do Brasil sempre foi dadivosa no que diz respeito ao aparecimento de personagens importantes para sua história. Este campo talvez só seja igualado em sua abundância de craques, por outro campo também pródigo: o futebol.  A década de 1960, por exemplo, fez surgir uma quantidade espantosa de compositores, músicos e cantores que se tornaram como que canônicos no campo. Mas antes dessa geração valorosa sessentista, uma outra foi também, e primeiramente, chamada de “era de ouro da música popular brasileira”: a década de 1930.Ela ganhou essa alcunha, digamos assim, por conta de ver florescer uma geração que para sempre ficou marcada no imaginário musical brasileiro. Surgiram nesse período compositores tais como Noel Rosa, Assis Valente, Dorival Caymmi (surgido no final da década) e Wilson Batista associados com intérpretes como Francisco Alves; Orlando Silva e Mário Reis. Este último considerado como um dos cantores que influenciaram João Gilberto na criação de um jeito diferente de cantar, que seria a marca da bossa-nova no final da década de 1950. 
  Não foram poucos os sucessos que permaneceram para sempre no repertório do cancioneiro nacional: carinhoso, de Pixinguinha; com que roupa, de Noel Rosa; Camisa listrada e boas festas, de Assis Valente, esta última vindo a se tornar um verdadeiro hino do natal brasileiro gravada na ocasião pelo estreante Carlos Galhardo (“anoiteceu / o sino gemeu / e a gente ficou / feliz a rezar / Papai Noel...). A lista dos sucessos é grande e tomaríamos o espaço desse artigo se tentássemos nos referir a todas. 
            Mas, como bem gosta de assinalar os historiadores, toda essa movimentação artística e musical não poderia ter se dado no vazio. Transformações políticas e tecnológicas estavam ocorrendo e dando combustível para o surgimento e proliferação da canção popular, e em particular o samba. Em 1922 começam as atividades do rádio no Brasil, e na década seguinte ele já era um meio de entretenimento e informação amplamente popular no país. Começa então a consagração de ídolos nacionais e canções que vão ser conhecidas por todo o Brasil. A rádio nacional, no fim da década de 1930 foi importante para a construção de um imaginário nacional, e foi também ela responsável em grande medida pela transformação do samba como gênero nacional. A ambição de construir uma identidade nacional, que já era uma ambição das elites brasileiras desde o século XIX, vai ganhar grande impulso com o projeto identitário brasileiro levado a cabo pelo governo Vargas. Foi na noite de 10 de novembro de 1937 que Getúlio em sua “proclamação ao povo brasileiro”, em gesto simbólico, queima as bandeiras regionais por considerá-las uma ameaça a unidade nacional. Esse ato foi transmitido para todo país através das ondas do rádio.
            Um pouco depois da criação do rádio no Brasil, outro fator foi de suma importância para a propagação da canção popular e em particular do samba: o início das gravações elétricas, em 1926, em substituição ao antigo sistema mecânico. Se no antigo sistema mecânico se destacava a Casa Edison, como empresa ligada a gravação dos discos, na nova plataforma tecnológica surgem várias empresas multinacionais interessadas no novo empreendimento: Odeon, Victor, Columbia e outras. O mercado de discos torna-se promissor ainda mais pelo processo de modernização pelo qual passava o país, com a concomitante criação de uma classe média urbana, a qual seria a primeira a adquirir esses novos produtos, que não obstante estavam destinados a se popularizar cada vez mais.
            Há também nesse período, segundo alguns pesquisadores como o professor e musicólogo Carlos Sandroni, uma transformação do samba fazendo com que este se “livrasse” de suas raízes ligadas ao maxixe e se tornasse o que veio a se tornar posteriormente. Ele atribui essa transformação a um grupo de sambistas cariocas do bairro do Estácio, dentre eles Ismael Silva. A professora Walnice Nogueira Galvão, no prefácio do livro de Sandroni, conta que Donga, representante da primeira geração de sambistas teria dito que Ismael não compunha sambas e sim marchas, e em resposta Ismael teria dito que Donga não fazia samba e sim maxixe. Curioso assinalar que tanto as elaborações da primeira geração, que se deu predominantemente nas casas das famosas tias baianas na Praça onze, quanto à da segunda geração, no início da década de 1930 no bairro do Estácio, se deram num espaço geográfico batizado por Heitor dos Prazeres como “pequena África do Rio de Janeiro”.
            Polêmicas a parte, fato é que a década de 1930 foi um divisor de águas na história dessa venerável senhora chamada Música Popular Brasileira.

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